Se Vier Que Venha

Se for pra vir
que venha com fome
com olhos vidrados
e dentes rangendo
que venha gemendo
gritando
chamando meu nome…
cheia de sangue e suor
de lágrimas e de saliva
que venha lasciva
e não me traga silêncio
mas gritos
uivos e urros
e não me venha com muros
quero pontes,
horizontes
cumes
e abismos

Se Um Dia

Eu não sei o que vai ser de mim
se um dia
você me olhar assim
talvez seja incêndio
fogo, chama
talvez seja chuva
barro, lama
talvez seja o fim.

Talvez seja drama
romance, suspense ou ação
mas se você me olhar assim um dia
não vai ter clima,
tempo, força ou magia
capaz de conter o meu vulcão
e quando a coisa estourar
quero ver você aguentar
a minha lava
e a minha erupção.

ATRIZ

(Para Juliana Spadot)

Ela traz nos olhos mil perfis
na face oculta, mil disfarces
pensa, sonha, sente e diz
enquanto finge, ama, ilude e arde

Nem pecadora nem santa
ou as duas, e muitas mais
vivendo e sonhando quanto é capaz
é uma, e ao mesmo tempo tantas

Verdadeira, mesmo em partes
inteira, mesmo em pedaços
entregue ao destino traçado

De ter no palco seu divino espaço
no corpo, seu templo sagrado
e como crença, a sua arte

Mulher Oceano

Que imensidão é essa que ela traz no olhar?
Que mistérios tantos sua face esconde?
De onde emerge tamanha vastidão?
Encará-la é como olhar o mar
e morrer de medo e de paixão
entre a vontade intensa de mergulhar
e o temor profundo de perder o chão.
Sua dimensão é tanta
que assombra, asssusta, abala
comove, fascina, encanta
Mas quem sou eu para possuir o mar?
Se um dia as suas águas
quiserem me banhar
hei de me lançar com devoção
ao naufrágio
ou à aventura de navegar

Sutil

Se a minha intensidade te assusta
o que custa
sou então menos eu
para que teus olhos não me fujam
para que meus olhos sejam teus
posso ser suave como o vento
enquanto, a esmo, tento
roubar ao menos
mais um beijo seu

O Amor e a Lua

Ando, vivo e até respiro sem ela
durmo sem a presença dela
acordo e convivo com a sua saudade
Meus dias, se não tem sol,
encontro na sua lembrança um facho de luz
Se são quentes
é nas suas memórias que me refresco

Sua ausência, sinto-a o tempo todo
E a todo instante, me acompanha essa presença
Se não física,
Química, orgânica, espiritual e esotérica.

Nunca soube bem o que é o amor
ou que é amar
Mas desconfio que seja algo próximo dessa distância,
que mesmo longa, e longínqua,
Apesar dos dias e das noites,
Apesar dos tempos,
continua a me acompanhar.

O Amor e a Lua II

Amo-a como amo a lua
como um poeta apaixonado
livre, louco, delirante
como amante embriagado

Amo com os olhos vidrados
com as veias pulsantes
com o pelo eriçado
amo com o peito rasgado
amo com o olhar distante

Amo com fome angustiante
e ao mesmo tempo saciado
amo-a inteira e exuberante
também às partes, fases, bocados
nova, cheia, crescente
amo-a mesmo minguante (ou meia)

Amo seu lado escuro
tanto quanto o iluminado
amo-a feito gente
amo feito bicho extasiado
como cão uivando na noite

Amo-a como um astronauta velho
amaldiçoado de saudade
e amo cada dia mais
mesmo que nunca mais
volte a tocar a sua face

O Teu Olhar

Os teus olhos, que quando olham me desnudam,
são deles meus maiores sonhos
e meus mais puros segredos.
Deles são os meus enganos,
meus temores, os meus medos
os meus momentos santos
os meus tormentos tantos
os meus mais loucos desejos.

Teu olhar que eu não esqueço
ainda nele canto e danço
e Invento passos  a esmo…
E mesmo quando, esvaído em sonhos,
ou em prantos, canso, 
é nele que me aqueço…

O teu olhar que eu nem mereço
tem sido o meu descanso
o meu prumo, meu rumo
meu reencontro e recomeço.

É por isso, e muito mais, que te peço
se é que me tens apreço
Por mim, por ti, por outros muitos
e tantos que eu nem conheço
Te peço:

– Não te apagues nunca dele…

Contrastes

Quero te dizer as mais belas poesias
num ouvido
e as mais loucas perversões
no outro.
Te acaricar delicadamente
com uma das mãos
e te apertar furiosamente
com a outra.
Entre olhares e mordidas
dentadas e lambidas
ser, ao mesmo tempo,
carinho e volúpia,
ternura e tesão
até te deixar tonta.
E fazer da tua confusão
o meu maior deleite
até que,
inteiramente louca,
me beije, quente,
delirando de ardor
me lambuzando a boca
Enquanto implora
Por mais e mais amor…

Poetisa

A menina poeta desliza
entre a prosa e a poesia
como quem brinca séria
Indecisa ainda
se discreta ou narcisa.
A menina linda, de beleza precisa
Nem precisa motivo, idéia ou clima
Não precisa forma nem rima
Sua poesia é clara, leve
fresca e cristalina
como as águas de um rio
onde a gente quer se banhar…

Feitiço

A chance única que eu tinha
de fugir dos seus encantos
era enquanto não eras minha
e os desejos não eram tantos
O teu beijo era só sonho
E o teu gosto devaneio
Não sabia da tua pele
Nem do toque do teu seio

A brecha única que eu tive
de não cair na sua teia
foi bem antes de eu ouvir
teu chamado de sereia
de sentir teu fogo intenso
e o teu corpo que incendeia
quando ainda não corria
teu veneno em minhas veias

Antes não tivesse tido
O azar de te provar
Nem tivesse confundido
Minha luz no teu olhar
Porque agora estou rendido,
entregue, louco, caído,
cego, tonto e perdido,
e sem querer me encontrar

Momento

Esse amor assim tão puro,
Forjado no mais duro sofrimento
Por quê eu tanto tento
E não consigo nunca realizar?

Estará errado onde eu procuro?
Ou será a forma que eu invento?
Será que é falta de merecimento?
Ou falta de (mais ainda) tentar?

Será que só para o futuro?
Será que é preciso tempo?
E a razão do meu tormento
É não saber esperar?

UTI

Meu amor respira por aparelhos
suspira, ferido
meu amor espancado, quebrado, moído
meu amor destruído
oscila, abandonado à própria sorte.
Meu amor esmagado
rasgado, sofrido
meu amor destroçado
retalhado de cortes
agoniza
paralisado
entre a vida e a morte…

Um Sorriso como uma Flor

(À menina desconhecida, que um dia eu vi sorrir, na rua)

Um sorriso como uma flor
sorriso de poesia
de música
um sorriso belo
como nenhuma pintura poderia ser
como nenhum poema
ou qualquer forma que o homem possa inventar.
Um sorriso único
num instante único
nas com estranho sabor de eternidade…
Sorriso de verdade
não desses que a gente dá,
por desejo ou graça,
mas que escapa
mm meio ao caos da cidade,
alheio à nossa vontade,
e vai encher de luz os olhos
de quem, por sorte,
passa…

Solidão

A solidão da noite me corta
me entorta, me rasga
O silêncio da noite me oprime
me fere, me cala
O escuro da noite me assusta
me abala, deprime
O frio da noite me gela
me seca, devasta…
A noite, tantas vezes amiga
justo ela, tantas vezes sublime
hoje me fere, me afoga, me mata
hoje
É só crime

Sonho

Numa manhã clara e fresca
me ponho a imaginar teus olhos
e a te sonhar…
Como seriam os teus lábios
e a cor dos teus cabelos
qual a forma dos teus seios,
os contornos do teu rosto,
teu gosto
e os sabores do teu beijo…
Viajo no teu corpo imaginário
nos teus pelos claros
ou negros, eu nem sei…
E te beijo os outros lábios
te tomando sem rodeios
me entregando sem receios
ávido e tonto de desejo
delirando enquanto sonho
com a mulher que eu nem conheço

Fixação

Com que direito o teu semblante
Invade o meu instante
e me faz poeta?
Como o teu universo
toca o meu
e me põe a escrever versos?
De quem roubaste a chave da minha alma?
Como ousas surgir assim
e me roubar a calma
e me tirar o sono,
Como?
E como podes
dominar meu pensamento
que quanto mais eu tento
nenos eu consigo me esquivar…?

Ressurreição

Se é preciso a morte,
que eu morra.
Sem amor e sem destino.
Morra completamente
indigente e clandestino.
E onde o corpo não houver,
nem a carne nem a vida,
quem sabe a sorte, a arte,
uma benção esquecida,
brote, nesse charco,
nessa terra apodrecida…
E o que um dia foi semente
Floresça,
Alta, firme, forte
E cresça
Com folhas, frutos e flores
e pássaros pousando nos galhos…

Encanto

Você passou
grave e serena
(como convém à uma Deusa)
Passou…
Com os teus passos leves
e esses teus cabelos
deixando no ar, não um perfume,
mas um encanto,
mma mágica presença.
Enquanto todos se agitam
à sua dura indiferença,
os meus olhos se enternecem
e o meu coração se aquieta
como quem recebesse uma hóstia,
ou uma benção…

À Uma Menina com Nome de Flor

Quantas vezes já te olhei e admirei
como quem admira um jardim e seus encantos
alguns à mostra, bem visíveis
outros,  nem tanto.
E quantos momentos bons já tive
só em te ver passar…

Porque a sua presença torna tudo diferente
como se o mundo ganhasse um brilho novo
uma nova cor
como se enfeitasses, feito uma flor,
os lugares onde estás presente

Nem imaginas o quanto o teu sorriso
feito pétalas de flor se abrindo
torna lindo o Universo…
Tanto,
que a pobreza dos meus versos
não  consegue descrever

Se soubesses quantas vezes me encantei
ao cruzar os meus olhos com os teus
e quantos beijos infindáveis
quantas horas de deleite, imaginei…

E ao te ver assim tão longe
sinto falta do que ainda não tive
( e nem sei se um dia terei )
e invejo aqueles que, por sorte,
desfrutam do riso e dos olhos
da menina que eu sonhei

Houve um Tempo

“Abrindo um antigo caderno
foi que eu descobri
antigamente eu era eterno”

(Paulo Leminski)

Houve um tempo em que eu olhava a vida com os olhos de poeta…
E a existência tinha em mim  um pulso, um sentido, um ímpeto
Todo o mínimo em mim, era o máximo
A pequena luz da menor estrela era o bastante
para iluminar todo o universo
E o menor segundo,
Era o que bastava para a minha eternidade.
Descobri o amor antes mesmo da amada.
Descobri a flor, o sol, o céu, a lua e as estrelas,
Descobri o mar…
Descobri os rios, os lagos, fontes, o horizonte
Conheci o vento…
Descobri o ar.
E conheci o tempo…
E vi, com ele, a vida se esgueirar..

Sem Sentidos

A tua saudade me atordoa…
Meu corpo reclama, o tempo todo
pelo seu.
Minhas mãos tateiam o vento
na busca vã pela tua pele.
Meus olhos, fitam ao redor
incrédulos de não te ver…
Meus ouvidos, garimpam no silêncio
ou entre os barulhos da rua
um sinal que seja
da tua voz.
De olhos fechados
procuro à todo custo
pelo teu cheiro….
E a minha boca,
ante a perplexidade de não te ter,
busca, em meio à minha saliva
algum resquício do teu gosto…

Volta logo…
Para que os meus sentidos
tenham sentido

Anjo I

Eu ontem conheci um anjo
de róseos lábios e olhos claros
e a pele branca como uma nuvem…
Trocamos poucas palavras
mas me tocou o coração
E quando se foi,
tão rápido quanto surgiu,
deixou em mim aquele espanto
e aquela estranha vontade de voar…

Desesperança

Hoje eu sou o poeta da morte
sem prumo, sem norte, sem rumo
sem fumo, sem sorte
a alma manchada de sangue
o corpo rasgado de cortes.
De dia, um rascunho de nada
de noite, uma sombra no escuro.
Vou aos trancos
procurando algum barranco
Aos prantos
me esquivando do futuro
pelos cantos
flancos, becos, muros
mendigando afeto
enquanto duro…

Anjo II

Eu, hoje, beijei um Anjo
de róseos lábios…

Que estranho feitiço tinha
aquela boca
que eu nunca mais fui o mesmo…
Que estranho gosto aquele beijo
que me despertou desejos
nem um pouco angelicais

(Mas o que me pôs mais medo
é que não vi suas asas…)

Os Poetas

Os poetas
são os tradutores da Alma

– dos outros!

Pois a própria alma do poeta
divaga
sem calma
pelo oco escuro da noite.
E é por isso que eu leio tão desesperadamente os outros poetas…
Para que me traduzam!

Desperdício

Me incomoda essa magia desperdiçada,
esse amor jogado fora
Pedra bruta rara, na cara
de quem por medo ou desdém,
ignora…

Me incomoda cada hora
Em que não passamos juntos
Cada beijo não dado
Cada vez que vais embora

Me incomoda essa lembrança,
Do que podíamos e não vivemos.
Causa em mim tanto espanto,
Saber que há tanto,
E sermos sempre tão menos …

Me entristece essa ternura
Alma pura de beleza
Se esvaindo pelo ralo
Luz, som, céu, frio e calor
Toda a cor da natureza

Mais ainda esse desejo
Fogo, faca, língua, beijo,
A pele tesa…
Me incomoda essa certeza
De não sermos mais que um sonho

Podermos tanto e sermos, sempre,
tão pouco…